17 de novembro de 2014

o movimento dos sempre felizes

Não me consigo lembrar do dia em que se impôs a regra de que toda a gente tem de ser feliz, todos os dias. Não sei quando foi, mas sei que existe. O mundo impõe-nos muita coisa. regras, sonhos, decisões, objectivos, ideais. Uma quase-obrigação para sermos perfeitos, cheios de saúde, viver até aos cem e termos o corpo em comunhão com a mente. Talvez tenha sido a internet (afinal a culpa é sempre dela) que nos levou a isto. Todos os dias crescem as promessas para uma vida melhor e mais completa. O instagram mostra-nos corpos perfeitos e pratos cheios de ingredientes quase impossíveis de encontrar num supermercado normal. O facebook enche-se de páginas de empresas que prometem ajudar na felicidade. Mesmo sem saberem o que isso é. Fazem-se terapias, recorrem-se a profissionais que fizeram uma formação qualquer com um guru da cena, recorre-se a livros que prometem ajudar. Usam-se frases feitas, repetem-se lemas e promete-se que vão ser para a vida. 
Já não é permitido ter um dia mau. Os blogues enchem-se de quem quer mostrar uma vida perfeita. Fala-se pouco dos problemas, brinca-se pouco com as situações da vida. É preciso ser sério e mostrar uma intimidade que não é a nossa. Mostra-se o lado bom, a casa arrumada, os filhos perfeitos e bem vestidos, o pequeno almoço parecido ao da novela da tvi. Reclama-se com a Casa dos Segredos porque somos todos bons demais para ver tal estupidez - mesmo que, em segredo, se vá dando uma olhadela no resultado das votações. Porque temos que ser cultos, perfeitos e impecáveis. 
Quando se escreve sobre o lado mau dos filhos, do trabalho, dos cães ou do casamento, todos reclamam. Afirma-se que não é bem assim, que é uma falta de respeito e que queremos é que os putos, o marido ou o Bobby saiam de casa e nos deixem em paz.
De repente, já ninguém acorda mal disposto. Já não existem discussões em casa, miúdos a berrar, cães a destruir sofás e trabalhos estúpidos e tristes. É preciso é dar graças a Deus por ter trabalho, com tanta gente no desemprego. 
De repente, já ninguém acorda com vontade de dar um pontapé na primeira pessoa que aparecer à frente, já ninguém lê revistas fúteis com notícias sobre a Lili Caneças e o Castelo Branco. Já não se pode chegar a casa com vontade de chorar e mandar tudo para o caraças. Se isso acontecer é melhor procurar ajuda, ler umas frases do Gandhi ou correr para a livraria mais próxima e procurar, no meio das centenas de títulos, um que resolva a situação. Ninguém mostra o pequeno almoço nada saudável, de quem acordou atrasado para apanhar o metro e meteu à boca um pão do dia anterior com uma fatia de queijo. Para os outros, só lemos o Expresso e só vemos a SIC Notícias. Fala-se de boca cheia que é preciso educar os públicos mas o Correio da Manhã continua a ser líder. 
Com tanta pressão para alinhar os chakras e encontrar a nossa razão de viver, só podemos andar mais infelizes.

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