Podia ter graça. Até podia mesmo ser uma história engraçada. Mas não é. Lembro-me todos os dias. Não sei como se chama, quem é, onde está agora. Ia a subir a rua da faculdade, alheia ao mundo, alheia aos problemas. Devia estar a pensar no jantar, na saída do fim de semana, nos copos da outra, no computador que não tinha a velocidade que eu queria... Abordou-me baixinho. Confesso que até tive algum medo, temos sempre medo quando alguém nos chama e nos pede alguma coisa. Pediu-me ajuda, baixinho, sem forças, como se a qualquer momento fosse cair, desmaiar.
- "Menina, ajude-me por favor!"
Devo ter perguntado o porquê, o para quê. Caiu-lhe uma lágrima e fiquei aflita. Apetecia-me agarrar e ajudar mas tinha medo. O ser humano tem tanto medo do inofensivo. Medo de tudo o que vai para além dele próprio. Desconfia, ilude-se.
- "Preciso de comer. Só comi uma banana hoje. É tão triste ter que pedir para comer".
Interiormente pensei que sim, que ela tinha razão. Que deve ser horrível, pedir para terem piedade de nós. Pedir para nos darem uma moeda, um bocado de pão. As lágrimas caiam sem parar mas acho que a força já não era suficiente para continuar. Acho que chorar já era cansar a cabeça com o inevitável.
Dei-lhe duas moedas de cinquenta e quase aposto que os olhos brilharam.
Volto a dizer: Não sei quem era, o que fez, não fez, a razão de me estar a pedir. Não sei e, honestamente, não creio que seja relevante. Sei que às vezes é preciso parar, ajudar, não ter medo. Pensar nos outros, no que podemos fazer, no que não fazemos. Às vezes a vida é irónica... e a ironia nunca disse que não nos ia bater à porta.
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